A praia de Maresias sempre teve uma relevância em minha vida. Era lá que meus pais e eu íamos curtir as férias quando eu era bem pequena, na casa dos meus avós. Vó Alzira morava numa casinha modesta perto da ponta esquerda da praia; era uma casa bem simples, mas tinha um terreiro enorme com muitas árvores frutíferas. Eu dividia meu tempo entre subir naquelas que estavam dando frutos e ir à praia com minha mãe e meu irmão mais velho, Tomás. Antes no cair da noite, já estávamos caindo pelas tabelas de tanto agito! Mas sempre tinha um jeitinho de continuarmos acordados depois do banho pra comer a torta salgada da vó com suco de caju que o vô Nelson fazia com cajus que ele escolhia pessoalmente na feira. Dizem que minha avó nunca nem encostou nos cajus que ele comprava, de tão exigente que ele era! “Cuidado, Alzira, ta apertando muito ele, vai deixar amassado!”. A vó não tinha muita paciência pra essas coisas, então dava as costas e saía resmungando. Acho que lembro dessa cena.
E eu já estava prestes a entrar numa faculdade quando houve um movimento iniciado pelos próprios moradores para recuperar a orla da praia de Maresias,acho que em 2010 ou 2011. Por causa da ocupação urbana, grande porções da orla perderam vegetação nativa – e a coisa foi tão feia que até as ondas sofreram alterações! Eu estava passeando pela praia quando vi os moradores chegando num grande grupo, e aquilo mudou minha vida pra sempre.
A união faz a força, literalmente
Foi assim: algumas ONGs se uniram em apoio a um projeto de revitalização da vegetação nativa da orla, criado por um engenheiro agrônomo que ficou preocupado com a degradação em andamento e resolveu parar o processo antes que ficasse irreparável. O projeto consistia em plantar uma espécie chamada de “jundú”; é aquela planta que se alastra pelas areias. Você certamente já viu muito dela em praias do Brasil. Dá uma florzinha meio rosada, arroxeada…
O jundú, pelo que eu soube depois, é ótimo pra acumular areia, e isso favorece a formação de dunas de areia. Esse é que estava sendo o problema da degradação: o mar estava levando a areia embora pela falta de vegetação – e é por isso que as ondas mudaram: o formato da arrebentação mudou antes. Achei aquilo incrível, pois nunca havia parado pra pensar nessas causas e consequências!
E lá foi um monte de moradores locais ajudar na preparação e no plantio, sempre monitorados pelo pessoal das ONGS e pelo engenheiro que idealizou o projeto. Aquilo me deixou maravilhada. E foi tanto que um dos moradores, o Lucas, viu minha cara e me chamou pra ajudar. Eu não sabia nem por onde começar, mas Lucas foi me ajudando, mostrando onde plantaríamos, como era a preparação, como firmar as mudas, etc. No fim…
Futuro montado
… no fim, a gente casou. Pois é, o Lucas tinha mais ou menos a minha idade e estava acompanhado dos pais, que eram fundadores de uma das ONGs que estavam ali. Nós nos tornamos amigos e mantínhamos contato mesmo estando em cidades diferentes. Ele sempre teve uma veia de conservação ambiental e aquilo foi me contagiando.
Por fim, lá estava eu numa faculdade, cursando Biologia e já pensando nas especializações que versassem sobre preservação de flora litorânea. Fiz umas quatro, e não pretendo fazer mestrado tão cedo! Lucas está fazendo o dele, em Biologia Marinha, pretendendo tentar trabalhar com o projeto Tamar um dia. A essas alturas, a praia de Maresias virou destino de repouso pra nós dois, já que nos mudamos pra São Paulo depois do casamento. Meus avós já não estão mais conosco, mas meus pais se mudaram pra casinha deles depois que se aposentaram – ou seja, continuo indo passar as férias naquele pomar. Nada de suco de caju, mas minha mãe aprendeu a fazer uma geleia de grumixama que ninguém mais faz.
Hoje eu olho pra orla já bem recuperada e dá um orgulho danado de ter participado daquela mobilização.