Eu sempre escuto dizer que o mineiro só não é mais feliz porque não tem mar em seu estado. É porque ninguém nunca veio perguntar pra um goiano! Vou te contar uma coisa, quando você precisa atravessar dois estados, ou um estado e dois países, pra chegar em algum litoral do nosso continente, você fica realmente chateado! Um mineiro pega o carro e chega ao mar em oito horas (lógico, dependendo da distância), mas e um goiano? Se não for de avião, pode ajeitar a calibragem aí pra uns três dias de viagem. Não tem feriado prolongado que resolva isso. Só um avião, mesmo.
Eu mesmo só fui ver o mar pessoalmente uma vez, aos 27 anos, depois de formado e já empregado. Juntei uma grana e comprei uma passagem pro litoral de São Paulo. Ia ter um campeonato de surfe na praia de Maresias e usei isso como desculpa (não sei nem o nome das pranchas). Reservei um quarto bem legal numa pousada e me mandei. Estava de férias e queria passar pelo menos duas semanas banhando o corpão naquela salmoura azul maravilhosa, ver o sol e a lua nascerem no horizonte sem fim que é o Atlântico. Fui-me. É… e quase “fui” de verdade.
É vaca, é capote…
Cheguei lá perto da hora do almoço, e deu pra ver o mar da minha janela no avião. Rapaz, que vista linda! Quase não dá pra diferenciar o mar do céu! O dia estava muito limpo e a previsão só marcava chuva naquela região pra dali a vários dias, então nem ao longe se via nuvens pesadas. Se eu estava minimamente cansado da viagem, aquela visão me fez esquecer disso. Fiz o check-in na pousada e tratei de ir à praia, sem nem almoçar (isso eu podia fazer depois, fala sério). Praia de Maresias… Dizer aquilo a zero metro de altura, sentindo aquela brisa salgada vindo do infinito, era quase como recitar Olavo Bilac no altar do próprio casamento! Eu estava no paraíso.
Como haviam poucos turistas por ser baixa temporada, pude curtir a vista à vontade, mas por pouco tempo porque, por mais empolgado que estivesse, também estava com, uma fome danada. Me rendi e fui almoçar na pousada mesmo. Nunca comi tantos frutos do mar! Tinha estoque de ômega 6 no corpo pros próximos meses, se quer saber.
Os dias passaram tranquilos, com o mar sossegado e ondas fáceis de driblar – ideal pra mim, que nunca tinha encarado nada parecido. Tive receio das correntezas, bem mais fortes do que eu imaginava, então fiquei mais perto da areia, por precaução. Só que a gente vai ficando valente, mais valente ainda, vai ficando confiante… E no quinto dia, quando o tempo ficou mais arisco e o mar idem, tomei um capote. Tem gente que chama de “vaca”. Vaca, capote, caldo, o fato é que tomei, e tomei muito. Não consegui medir se entrou mais água nos pulmões ou no estômago, mas saí do mar completamente engasgado e sem conseguir parar de tossir. Um salva-vidas chamou uma ambulância; na hora me parece desnecessário, já que consegui sair do mar por minha conta, mas a intensidade da tosse o deixou preocupado.
CTI nele!
Fico imaginando se a mineirada passa tanta vergonha quando vai à praia ou se já ficou acostumada. Eu tossia feito cachorro, vinha do fundo da garganta e puxava cada fragmento de alma que estava agarrada aos meus alvéolos pulmonares (aliás, acho que virei alguns pelo avesso enquanto tossia). Na verdade, devo ter colocado um pedaço de um deles pra fora, porque foi só chegar ao hospital pro pessoal da triagem me examinar e ir me dedurar pro médico. E ele foi taxativo: “CTI nele”. Eu: “como é que é?? CTI?? Peraí, gente, eu tô de férias!”.
Não teve conversa. O médico disse que pelo menos aquela noite eu passaria ali, mas que a chance de passar mais dias era grande. No dia seguinte, eu estava um farrapo de gente. Febre alta, tosse demais e uma dor no peito tremenda. Pneumonia aspirativa, por causa da água que aspirei no capote – que pelo que eu soube, foi muita. E justo água do mar, carregada de microorganismos e o inevitável esgoto não tratado (que a gente sempre sabe que está presente, mas prefere ignorar). Foram 4 dias de CTI e dezenas de bolsas de soro e antibióticos fortes. Minha sorte é que o pessoal da pousada ficou com dó do matuto de Goiânia aqui e me deu esses dias a mais de hospedagem, pra eu aproveitar mais quando saísse do hospital (era baixa temporada, mesmo, não faria diferença pra eles). Não fosse isso, além da diversão perdida, também teria perdido um dinheirinho interessante.
A praia de Maresias foi minha primeira visita ao mar. Linda, traumática, mas marcante. Pretendo voltar, mas dessa vez, vou levar boias de braço.